Governo mobilizou equipes para que moradores acreditassem que faziam parte de um programa de desapropriação em troca de novas casas
Durante quase um ano e meio, a equipe de desapropriação do Departamento de Estadas de Rodagem (DER), do governo do Paraná, fez com que nove famílias acreditassem que estavam em um plano de “compra assistida” para que pudessem sair das margens da PR-417, conhecida como Rodovia da Uva, entre Curitiba e Colombo, na região metropolitana.
A promessa era de que nove famílias teriam novos lares imediatamente após a desocupação da área. Segundo denúncia recebida pelo deputado estadual Renato Freitas (PT-PR), o DER descumpriu acordos e judicializou o caso.
A denúncia aponta que durante um ano o governo reuniu dados e ganhou tempo para conseguir avançar a ação de despejo.
As nove famílias, que vivem na área há três gerações, afirmam que seguiram todas as orientações do DER e deixaram de mover processos na Justiça porque foram abordadas pelo governo.
Os primeiros funcionários teriam se apresentado em maio de 2023. Ao longo desses meses, segundo as denúncias, foram dezenas de visitas de engenheiros, técnicos, peritos e psicólogos contratados pelo DER.
“Disseram: ‘Vocês têm direito à moradia, entram como sócios-vulneráveis’. Agora, quando achávamos que iriam fazer a compra das casas , que a gente descobriu que não existe nada”, conta comerciante Jaqueline Mueller, uma das moradoras.
As nove famílias foram enquadradas como “sócio-vulneráveis”. “Em uma casa mora uma senhora de 85 anos que vive em uma cadeira de rodas; em outra tem uma gestante; e, em outra, crianças pequenas”, explica.
Jaqueline só descobriu a ação quando procurou o DER com o objetivo de se informar sobre o avanço da negociação para que a família dela organizasse a mudança para a nova casa que seria providenciada pelo órgão. “Foi quando ela tomou conhecimento de que o DER havia judicializado o caso”, afirma o advogado Bruno Fellipe Pereira, que representa seis das nove famílias ameaçadas.
Estratégia
O DER afirmou que os nove posseiros teriam direito à compra assistida. Segundo o advogado, a negociação foi formalizada. “O DER assinou um documento”, afirma.
“Os familiares concordaram com a proposta que havia sido passada. Assinaram documento e formalizaram em cartório”, conta.
Segundo ele, o DER está reduzindo o valor dos imóveis e propondo o pagamento de indenização com valor bem menor que o dos imóveis prometidos por meio de depósito judicial. “Eles depositaram em juízo para conseguir uma liminar da Justiça e emitir a posse do terreno”, afirma.
“A casa da Dona Jaqueline tem três quartos, sala, cozinha, de alvenaria, com investimento de uma vida da família, o DER está fazendo uma avaliação de R$ 92 mil”, pontua.
Na prática, segundo as famílias, o DER quer pagar uma indenização que “não compra nem um terreno na região” onde eles moram.
Como essas famílias não têm para onde ir, não existem casas para onde elas possam se mudar, o que elas estão exigindo é que o DER cumpra o que foi prometido desde o início, que é a disponibilização de um imóvel nas mesmas características do imóvel onde eles residem atualmente.
Promessa
A dona de casa Marisa Polo, de 57 anos, relata parte do dano emocional causado pela estratégia do DER. “Eles mentiram. E não estou falando só dos meus netos. Eu vi todas aquelas famílias crescerem. Eles levaram psicólogo para conversar com meu neto. Esses dias a gente estava mexendo na papelada e ele perguntou se a gente vai ficar sem casa”, desabafa.
Marisa destaca que os técnicos do governo conquistaram a confiança das famílias. “Minha neta estava para fazer 15 anos e eles falaram que seria uma opção em fazer a festa ali, já que ela podia estar na nova casa. Isso não se faz. Meu genro, que é um homem forte, está sem dormir por medo de não saber o que pode acontecer com a família dele”, se emociona.
As nove casas ficam no trecho entre o Contorno Norte de Curitiba e a Rua Theodoro Makiolka, o último para a retomada da obra de duplicação da Rodovia da Uva. Desde o início do projeto, as famílias foram informadas de que seriam indenizadas.
No caso desses terrenos, um erro na documentação do patriarca da família e ausência de um testamento teriam emperrado o avanço da desapropriação. Sem informar as famílias, segundo elas, o governo moveu ação na Justiça e “agora informou que não é mais obrigação do DER a compra das casas”.
Para os moradores, o governo sabia de todos os entraves desde o início do projeto.
Só agora, já com uma liminar concedida pela Justiça para o início de uma reintegração de posse ao Estado, na véspera de distribuição de intimações, é que os moradores começaram a conversar com advogados.
Em nota enviada à imprensa, o DER confirma que já em 2022 era público que havia problemas na documentação que impossibilitariam a indenização pela Lei de Desapropriação.
Íntegra da nota do DER:
“O DER/PR esclarece que o terreno em questão foi declarado de utilidade pública em 2022, sendo necessária a sua desapropriação para realizar futura obra de duplicação do trecho.
Os moradores do terreno são classificados como posseiros por terem uma escritura pública que não foi levada a registro, não havendo matrícula que comprove serem os proprietários da área a ser desapropriada.
_As famílias que ocupam o local foram cadastradas, notificadas da desapropriação e passaram por entrevista com especialista social, conforme normativas do DER/PR. Nesta ocasião foram informados da possibilidade de enquadramento