Familiares de Luís Fernando Ferreira Mergulhão, 25 anos, denunciam que o jovem foi assassinado por policiais militares dentro de casa durante uma operação na manhã da última quinta-feira, 17 de outubro, em Cascavel, região Oeste do Paraná. Testemunhas da execução, eles afirmam que Luís estava tomando banho para ir trabalhar quando foi surpreendido pelos agentes. O jovem estava nu, desarmado e sem qualquer chance de defesa.
A mãe e o irmão da vítima relatam terem sido agredidos e ameaçados pelos policiais durante a invasão. Até o presente momento, a família não teve acesso ao boletim de ocorrência nem a qualquer mandado judicial que justificasse a ação. Luís Fernando não tinha passagens pela polícia e possuía emprego fixo.
Execução covarde e humilhante
De acordo com o relato dos familiares, eram por volta das 5h40 da manhã quando a mãe de Luís acordou os dois filhos para irem ao trabalho. Enquanto o jovem se preparava para sair, a energia do bloco foi cortada. Nesse momento, os policiais arrombaram a porta e invadiram o apartamento sem apresentar mandado. A mãe de Luís, de 58 anos, ficou ferida no momento da invasão ao ter o braço atingido pela violência do arrombamento da porta. Em seguida, ela foi agarrada pelo pescoço e jogada para fora do apartamento. Enquanto tentava entender a situação, a mãe de Luís alertava os policiais sobre a presença do neto de apenas 3 anos no local.
Durante a confusão, Luís Fernando estava no banheiro tomando banho. Os policiais invadiram o cômodo, Luís foi retirado à força do banheiro ainda nu, apenas cobrindo as genitálias com as mãos, momento em que foi levado para o quarto, local da execução. Ainda de acordo com o depoimento, os agentes mandaram que ele se vestisse, mas, quando o jovem virou de costas, completamente indefeso, recebeu um tiro na nuca.
“Ele estava nu, tomando banho. Como pode ter havido confronto?”, questiona o familiar.
O irmão mais velho, de 33 anos, foi algemado e arrastado para debaixo da escada. A família acredita que ele também seria executado se não fosse pela mãe, que entrou na frente dos policiais e suplicou para que poupassem a vida do filho.
“Eles já tinham matado um e iam matar o outro. Só não mataram porque a mãe segurou no ombro do policial e implorou”, conta o familiar.
A movimentação no corredor do prédio poderia ter sido registrada pelas câmeras de segurança, mas não foi devido ao corte de energia elétrica feito pelos agentes antes da operação.
Após os disparos, os familiares foram impedidos de entrar no apartamento. A mãe, que tem pressão alta, foi obrigada a ficar do lado de fora, sentada no chão, e em estado de choque, tremendo e chorando, após ter o pedido por uma cadeira negado, enquanto os policiais comemoravam o feito cruel e davam risadas dentro da residência.
“Eles não respeitaram ninguém, nem mulher, nem criança. Riam e se parabenizavam pelo que tinham feito”, denuncia.
A equipe do Siate chegou apenas para confirmar a morte.
Depois de horas sozinhos no apartamento, os policiais chamaram os familiares para testemunharem uma “busca” no local, mas permitindo que observassem apenas da porta. Eles levaram celulares, roupas, objetos pessoais e alegaram ter encontrado cápsulas de bala que, segundo a denúncia, não poderiam estar ali.
“Eles implantaram cápsulas debaixo do sofá. Um dia antes, a casa havia sido completamente limpa. Não tinha como ter nada ali. Ele nunca teve arma”, afirma.
Cheio de sonhos e trabalhador
Luís Fernando tinha 25 anos, trabalhava há alguns meses como ajudante de caminhão na cervejaria Ambev e havia sido reconhecido como colaborador destaque do mês. Sonhava em tirar a carteira de motorista, fazer cursos de tatuagem e ajudar a mãe a fazer melhorias no apartamento.
Descrito por colegas e familiares como sorridente, trabalhador e querido, um jovem responsável e carinhoso com as crianças da família.
“Ele era um menino de ouro, iluminado. Não merecia morrer desse jeito”, completa o familiar, emocionado.
Luís morava com a mãe, o irmão e um sobrinho de 3 anos, todos estavam presentes durante a ação. A família afirma que quer justiça, mas não possui condições financeiras para contratar um advogado.
“Pagamos o enterro com o pouco que conseguimos juntar. Até agora não temos acesso a nada: nem boletim, nem mandado, nem explicação”, relata.
O caso de Luís Fernando soma-se a outras denúncias de letalidade policial e violações de direitos humanos no Paraná. Os familiares pedem investigação independente e responsabilização dos agentes envolvidos.
“Eles entraram para matar, não para cumprir mandado. Queremos justiça e que ninguém mais passe pelo que passamos”, conclui.
A família enfatiza ainda que se houvessem câmeras durante a operação seria mais fácil esclarecer os fatos. “Essas operações tinha que ser obrigatório o uso de câmera para esclarecimento né de todo tudo o que acontece dos dois lados tanto da vítima quanto da polícia porque embora se ele tenha feito coisas erradas ou não ele foi uma vítima de uma execução”, defende o familiar.
Duas execuções no mesmo condomínio
Em outro bloco, o três, do mesmo condomínio, outro homem foi morto pela polícia de maneira semelhante: Maicon da Silva Castanho, 32 anos. Estranhamente, assim como no caso de Luís, a polícia também teve tempo suficiente para entrar no imóvel e retirar os familiares da vítima, esposa e filha, antes de começar o suposto confronto.
Somadas às ações no prédio, a perícia da Polícia Científica teria apreendido duas armas de fogo, uma pistola e um revólver, além de munições. No entanto, não foi informado à imprensa onde os armamentos foram encontrados nem a quem pertenciam.
Câmeras Corporais Já!
Tramita na Assembleia Legislativa do Paraná alguns projetos de lei, de autoria do deputado Renato Freitas, que buscam enfrentar a violência policial.
O Projeto de Lei 448/2019, que aguarda ser pautado pelo presidente da Casa Legislativa, torna obrigatória a instalação de câmeras de vídeo e áudio nas viaturas e uniformes da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, com transmissão em tempo real para o sistema central e arquivamento das gravações por seis meses. O PL 38/2024 estende essa obrigação para vigilantes e seguranças privados, porque a violência não vem só do Estado.
O PL 929/2023 proíbe que agentes de segurança usem filmagens e imagens de operações em redes sociais, transformando a dor alheia em espetáculo. E o PL 25/2024 estabelece medidas obrigatórias após casos de letalidade policial, como afastamento imediato do agente envolvido e investigação independente.
“Se alguns agentes da segurança pública agem apagando provas e ameaçando testemunhas, é preciso garantir, por força de lei, que a sociedade possa ter instrumentos para se proteger da violência policial”, afirma o deputado.
Violência policial e tentativa de institucionalizar a impunidade no Estado
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Paraná registra média anual de 370 mortes por intervenção policial desde 2019, quase o dobro do registrado antes do início da gestão de Ratinho Jr.
Em setembro de 2022, a Corregedoria-Geral da PM publicou a Medida 002/2022, que blindava policiais envolvidos em mortes de civis, autorizando a Polícia Militar a reter objetos e provas, impedir o acesso da Polícia Civil e até negar a apresentação e o depoimento de policiais sem autorização prévia da Justiça Militar, mesmo quando há inquérito civil em andamento.
A medida foi barrada pelo Ministério Público, mas Ratinho Jr. e o secretário Hudson Teixeira não desistiram. Mesmo após a derrota na Justiça, o governo insiste na tentativa de reorganizar as regras de investigação das mortes causadas por PMs.
No dia 12 de outubro de 2025, o secretário de Segurança publicou a Resolução nº 575/2025, que cria um grupo de trabalho interinstitucional com o objetivo de formular um protocolo conjunto para definir novos fluxos de apuração em casos de lesão corporal ou morte decorrente de intervenção policial.
Um dos principais pontos de atenção da resolução está no artigo 7º, que estabelece que as ações policiais serão consideradas legítimas até que se prove o contrário e determina que não será feito auto de prisão em flagrante contra os agentes. Ainda segundo a resolução, o grupo deve concluir os trabalhos até novembro deste ano.
Nomes e parentescos foram preservados no texto