Homem que superou câncer e situação de rua é morto pela PM no litoral do Paraná após desentendimento com vizinho

Aurélio Martins Junior, de 55 anos, foi morto pela Polícia Militar (PM) do Paraná no último domingo (19). O caso aconteceu no município de Matinhos, litoral do estado. O homem tinha se envolvido em uma briga com um vizinho momentos antes da execução. A vítima superou um câncer e esteve em situação de rua no passado.

Segundo relatos de testemunhas, a briga entre os vizinhos teria começado por volta das 10h30 da manhã. Aurélio chamava sua cachorra em voz alta quando foi repreendido pelo vizinho, identificado apenas como Leonardo, que acusou Aurélio de acordar sua filha recém-nascida com os gritos.

Durante a troca de ofensas, Leonardo, então, teria ido até a casa de Aurélio armado com um facão. Aurélio abriu a porta segurando uma faca pequena e os dois entraram em luta corporal, até que Leonardo foi ferido de leve no dedo mindinho, momento em que outros vizinhos separaram a briga. Cada um retornou para sua casa e a esposa de Leonardo teria acionado a polícia.

Assustado, Aurélio ligou para uma amiga, que é advogada, pedindo ajuda, pois temia ser preso. Entre a ligação e a chegada da advogada, passaram-se cerca de dez minutos. Nesse intervalo, a polícia chegou ao local e invadiu a residência de Aurélio.

As testemunhas informaram que após a invasão ouviram Aurélio questionar a violência dos agentes dizendo “pra quê isso?”. Em seguida, ouviram três disparos. A Polícia apresenta a versão de confronto, alegando que Aurélio teria avançado sobre os agentes com um facão, versão desmentida pelas testemunhas.

“Nem conversa teve, não quis nem ouvir a versão do Aurélio, vieram pra assassinar o rapaz dentro de casa”, conta uma testemunha.

Aurélio foi atingido pelos disparos ainda sentado em sua cama. Um vídeo registrado por amigos mostra o sangue da vítima ao lado da cama, onde foi executado.

Outra testemunha contou que, após a ação, os militares conversaram com vizinhos com o objetivo de instruir o B.O.

 

Desentendimento antigo
Amigos e vizinhos contam que o desentendimento entre Aurélio e Leonardo é antigo.

Em depoimento oficial para a Polícia, uma testemunha relatou que, meses antes da execução, os dois já haviam se desentendido por causa de maus-tratos a animais praticados por Leonardo, ocasião em que ele teria agredido Aurélio com socos.

Ainda segundo a testemunha, na ocasião, Aurélio e Leonardo se dirigiram até uma delegacia para resolver o desentendimento.

‘Um homem estudioso, simples e honesto’
Aurélio morava em Matinhos desde meados de 2015. Ele era recém formado em agroecologia pela UFPR. Os amigos o descrevem como um homem simples, humilde, honesto e muito estudioso.

“Ele deixa seu legado como um homem que se preocupava com a natureza, o meio ambiente e os animais de rua, e que sempre foi muito carinhoso com as pessoas que amava e vizinhos”, conta um amigo.

Amigos relatam que Aurélio havia recentemente vencido uma batalha contra um câncer e que mesmo em tratamento estava sempre com um sorriso no rosto e de bom humor.

Ainda segundo os amigos, antes de ingressar na universidade, Aurélio enfrentou períodos de vulnerabilidade, incluindo o uso de drogas e a vivência em situação de rua, até se estabelecer no Litoral do Paraná, onde passou a estudar e reconstruir sua vida.

Agora, amigos de Aurélio se mobilizam para obter uma procuração que permita a liberação do corpo no IML de Paranaguá e arrecadam recursos para garantir um enterro digno, evitando que Aurélio seja sepultado como indigente.

A Universidade Federal do Paraná, setor Litoral, emitiu uma nota de pesar pela morte de Aurélio e pediu a investigação do caso.

“A Direção almeja que os fatos que culminaram na morte de Aurélio, dentro de sua casa, sejam devidamente investigados e esclarecidos, para que o episódio trágico não seja invisibilizado. Que o luto se transforme em mobilização por justiça”, diz trecho da nota.

Câmeras Corporais Já!
“A versão de quem presenciou toda essa barbárie, essa covardia não significa nada pra justiça. Foi covardia o que fizeram com Aurélio”, diz um amigo que, inconformado com a ação da polícia, questionou também a ausência de câmeras que pudessem esclarecer o caso.

Tramita na Assembleia Legislativa do Paraná alguns projetos de lei, de autoria do deputado Renato Freitas, que buscam enfrentar a violência policial.

O Projeto de Lei 448/2019, que aguarda ser pautado pelo presidente da Casa Legislativa, torna obrigatória a instalação de câmeras de vídeo e áudio nas viaturas e uniformes da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, com transmissão em tempo real para o sistema central e arquivamento das gravações por seis meses. O PL 38/2024 estende essa obrigação para vigilantes e seguranças privados, porque a violência não vem só do Estado.

O PL 929/2023 proíbe que agentes de segurança usem filmagens e imagens de operações em redes sociais, transformando a dor alheia em espetáculo. E o PL 25/2024 estabelece medidas obrigatórias após casos de letalidade policial, como afastamento imediato do agente envolvido e investigação independente.

“Se alguns agentes da segurança pública agem apagando provas e ameaçando testemunhas, é preciso garantir, por força de lei, que a sociedade possa ter instrumentos para se proteger da violência policial”, afirma o deputado.

Violência policial e tentativa de institucionalizar a impunidade no Estado

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Paraná registra média anual de 370 mortes por intervenção policial desde 2019, quase o dobro do registrado antes do início da gestão de Ratinho Jr.

Em setembro de 2022, a Corregedoria-Geral da PM publicou a Medida 002/2022, que blindava policiais envolvidos em mortes de civis, autorizando a Polícia Militar a reter objetos e provas, impedir o acesso da Polícia Civil e até negar a apresentação e o depoimento de policiais sem autorização prévia da Justiça Militar, mesmo quando há inquérito civil em andamento.

A medida foi alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Ministério Público, que foi prontamente acatada pelo Tribunal de Justiça do Paraná. O Governo ainda tem prazo para recorrer da decisão.

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