O sistema prisional do Paraná voltou a ser alvo de denúncias graves após a morte de dois detentos no último sábado (25), no Complexo Penitenciário de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba. A maior unidade prisional do Estado concentra queixas de descaso, negligência médica e condições precárias de alimentação e higiene.
Maicon Fernando da Silva, de 36 anos, estava detido na Casa de Custódia de Piraquara desde abril de 2025, apesar de possuir laudo médico que atestava seu diagnóstico de epilepsia, esquizofrenia e convulsões. A advogada da família informou que solicitou por diversas vezes a transferência do detento para o Complexo Médico Penal, mas teve todos os pedidos negados.
Segundo relato dos familiares, o medicamento utilizado para controlar as convulsões de Maicon não era fornecido pelo Estado, mas comprado e enviado pela própria família. Na semana de sua morte, a advogada entregou os remédios na recepção da CCP na terça-feira (21), mas no sábado (25), durante visita de sua mãe, Maicon informou que ainda não tinha recebido a medicação.
Às 20h do sábado, Maicon sofreu uma convulsão e foi socorrido por detentos com quem dividia a cela. Os familiares contam que, segundo informações repassadas pela assistência social, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) só chegou até à Unidade às 23h, quando Maicon já estava morto.
O parente que fez o reconhecimento do corpo de Maicon relatou que ele tinha os lábios cortados, ferimentos normalmente provocados por mordidas involuntárias durante a convulsão, além de um hematoma do lado esquerdo da cabeça. Familiares relataram também que não foi a primeira vez que Maicon deixou de receber seus remédios.
A presença de pessoas com sofrimento mental em presídios comuns contraria a Lei nº 10.216/2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, que determina que pacientes com essas condições devem ser atendidos por Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
Pedido de socorro e mortes por negligência
Outra vítima da negligência do Estado foi Anderson Carlos Marques, que também estava detido na Casa de Custódia de Piraquara. Segundo relatos, Anderson possuía paralisia em 70% do lado direito do corpo em razão de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ele morreu semanas após ter denunciado, em carta, as condições de saúde e a situação de abandono a que estava submetido dentro da Penitenciária.
Na carta, escrita no dia 1º de outubro e anexada ao seu processo judicial, Anderson descreveu uma série de problemas de saúde e denunciou episódios de negligência dentro do presídio. Ele relatou ter sido recentemente diagnosticado por um médico do Complexo Penal com “pé de ganso”, condição que causa dor intensa e limita os movimentos.
O detento também afirmou que sofria quedas frequentes, por sequelas do AVC, e por esse motivo se encontrava com várias escoriações pelo corpo. Anderson denunciou, em sua carta, que a estrutura da prisão era incapaz de atender suas necessidades clínicas. “Eu preciso de uma instituição prisional que me dê assistência médica”, escreveu.
Em outro trecho, Anderson também denunciou abuso de autoridade dentro da instituição, citando o comportamento de uma funcionária que “não deixa os detentos sequer falar”. Ele relatou ter sido agredido por outro detento e levado à enfermaria, onde foi mantido em um espaço improvisado. E que, apesar de ter sofrido pancadas na cabeça, não foi encaminhado para exames de imagem.
Violação dos Direitos Humanos
Familiares denunciam que, nos últimos meses, a situação dentro do presídio se agravou, com mortes recorrentes e ausência de respostas das autoridades.
Em nota, afirmam que dentro da unidade “a ordem é: preso bom é preso morto, independentemente do método”. O manifesto cobra providências imediatas do governo do Estado e enfatiza que “a pena imposta não pode representar a perda de direitos constitucionais”, como o acesso à saúde e à alimentação digna.
O deputado estadual Renato Freitas (PT) vem denunciando há anos as violações de direitos humanos no sistema prisional do Paraná. Em relatório produzido em 2023, Renato denuncia situações de violência, abuso de poder e negligência médica em sete unidades prisionais. Já em 2024, outro relatório expõe casos denunciados por detentos de cinco penitenciárias do estado.
As denúncias foram encaminhadas para órgãos estaduais e federais, incluindo o Conselho Nacional de Justiça e o Ministério dos Direitos Humanos. O documento, intitulado “Dossiê de Denúncias do Sistema Prisional no Paraná”, evidenciou as violações dos direitos humanos cometidas no Complexo Médico Penal.
O CMP acumula denúncias de agressões, torturas e a exploração do trabalho dos chamados asilares, pessoas que já cumpriram suas medidas de segurança, mas permanecem na unidade penal por falta de local para encaminhá-las.
Após a série de denúncias feitas pelo deputado, em novembro de 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a abertura de uma investigação sobre a violação dos direitos humanos no Complexo Médico Penal.
“Nosso objetivo é provocar as autoridades sobre as várias ilegalidades cometidas pelos agentes do Estado contra pessoas que cumprem pena em regime fechado. Os direitos de todo detento são previstos em lei e precisam ser garantidos pelo estado”, defendeu Renato.