O governador Ratinho Jr vem tentando impedir que policiais militares envolvidos em crimes contra a vida sejam investigados pela Polícia Civil. A ofensiva começou em 2022, quando a Corregedoria da Polícia Militar do Paraná (PMPR) editou uma normativa que dá à própria corporação o controle sobre provas, depoimentos e acesso aos locais de crime, em casos de execuções cometidas por militares contra civis.
A Orientação 002/2022, assinada em setembro pelo então corregedor-geral da PM, coronel Dorian Nunes Cavalheiro, determina que a Polícia Militar pode reter objetos e provas, impedir o acesso da Polícia Civil e até negar a apresentação e o depoimento de policiais sem autorização prévia da Justiça Militar, mesmo quando há inquérito civil em andamento.
A medida cria uma blindagem institucional que dificulta a responsabilização de agentes envolvidos em execuções contra civis.
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) reagiu à medida e ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). O MP argumenta que a medida viola a competência da Polícia Civil e defende a regularidade da coexistência de dois inquéritos, militar e civil.
O MP enfatiza ainda que a autoridade militar não pode impedir o acesso da Polícia Civil às provas nem o interrogatório dos suspeitos.
Ao se manifestarem no processo, o governo Ratinho Jr e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) alegaram que cabe à Corregedoria da PM “expedir orientações sobre a aplicação da legislação relativa à apuração das infrações criminais e disciplinares”.
A Secretaria de Segurança Pública, comandada pelo coronel Hudson Teixeira, por sua vez, reforçou o argumento de que homicídios praticados por PMs contra civis devem ser tratados como crimes militares. A tese de Hudson já foi superada há quase 30 anos, pela Lei Federal nº 9.299, que retirou da Justiça Militar a competência para julgar assassinatos cometidos por militares contra civis, passando a competência para o Tribunal do Júri.
A posição do governo foi rebatida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, que, em agosto de 2025, decidiu pela nulidade dos trechos da Orientação que invadiam a competência e autonomia da Polícia Civil em investigações de crimes cometidos por militares contra a vida de pessoas comuns.
O desembargador José Maurício Pinto de Almeida, relator do caso, afirmou que a normativa é repleta de “abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade, uma vez que disciplina a atuação dos militares, impõe obrigações novas e produz efeitos sobre todos os procedimentos investigatórios, sejam os já existentes ou os que venham a ser instaurados”. Ou seja, limita o trabalho da Polícia Civil e interfere em investigações da Justiça comum.
O governo ainda tem prazo para recorrer da decisão.
Ratinho e Hudson não desistem, mesmo após a derrota na justiça
Mesmo após a decisão do TJ-PR, o governo insiste na tentativa de reorganizar as regras de investigação das mortes causadas por PMs.
No dia 12 de outubro, o secretário de Segurança, coronel Hudson Teixeira, publicou a Resolução nº 575/2025, que cria um grupo de trabalho interinstitucional com o objetivo de formular um protocolo conjunto para definir os fluxos de apuração em casos de lesão corporal ou morte decorrente de intervenção policial.
Um dos principais pontos de atenção da resolução está no artigo 7º, que estabelece que as ações policiais são consideradas legítimas até que se prove o contrário e determina que não será feito o auto de prisão em flagrante contra os agentes.
Ainda segundo a resolução, o grupo deve concluir os trabalhos até novembro deste ano.
Atuação do Mandato do Deputado Estadual Renato Freitas
Nesta sexta-feira (17), o deputado estadual Renato Freitas (PT) encaminhou um ofício ao Governo do Estado do Paraná questionando o artigo 7º da Resolução nº 575/2025. O parlamentar pede a revogação ou a reedição do referido dispositivo.
O documento afirma que “Mero ato administrativo, unilateral, emanado de autoridade estadual, carece de aptidão para desconstituir, revogar ou afastar a aplicação de lei federal cogente, como o Código de Processo Penal, cujo caput do art. 301 determina “que as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.” No mesmo sentido, o Código de Processo Penal Militar, no qual o artigo 243, caput, também determina que ‘os militares deverão prender quem fôr insubmisso ou desertor, ou seja encontrado em flagrante delito’.”
Letalidade policial avança no Paraná
Enquanto a gestão de Ratinho Jr e do Coronel Hudson buscam aumentar o seu poder sobre as forças de segurança e, alterar as regras de fiscalização e responsabilização em casos de letalidade, os números da violência policial atingem níveis recordes.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Paraná registra média anual de 370 mortes desde 2019, quase o dobro da registrada antes do início da gestão de Ratinho Jr.
No dia 15 de outubro, a Rede Nenhuma Vida a Menos em conjunto com outros grupos de familiares de pessoas assassinadas por agentes de segurança pública promoveram uma manifestação pelo fim da letalidade policial.
A manifestação lembrou os casos recentes de execução policial como o de Yago Pires, jovem de 20 anos assassinado dentro de casa com mais de 10 tiros na frente dos familiares. O fato ocorreu na manhã do dia 7 de outubro, no bairro do Parolin, que vive uma escalada de registros de execuções e atuações violentas da Polícia Militar.